sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Balada do Cárcere Privado

Livremente inspirado em Balada do Cárcere de Reading, Oscar Wilde.





Há barulho ali.
E silabas tônicas ultrapassando latidos e sopro de vento.
Há um embaraço, um desconforto.
Me tiro, aqui me lanço. Refugio de canceriano.
Cheiro de aerosol, desabafos contidos, grilos.
Eu vou procurar um apoio pros pés.

* * *

Silêncio no lado de fora da porta.
Estrondo de poucas palavras.
Agonia do tipo que faz mala.
O cheiro de café não distrai.
Os planos são falhos.
Ainda assim o tempo rasteja
O travesseiro fica - a cada insônia - mais fino.

* * *

Ouvi meu nome feito ladrar.
Eu não caibo na passagem de ar.
Ensaio despedida e conto moedas.
Vago na mente música que distraia.
Não caibo aqui.

* * *

Estocaram minha liberdade.
Empoeirada na dispensa.
Raros domingos de sol.
Meu objetivo em folhas de papel
Não saio do lugar.
Guardado, perdido e validado.
Eu peço ver tudo pelos ares.
Eu não sou salvador,
Sou egoísta, humano.
Quero ladrar por ruas de pedra.
Cantarolar alto.
Perder por aí toalha molhada.
Quero fome e um pouco de miséria.
Feito moeda pra liberdade comprar.
Vou rasgar meus planos,
não consigo me concentrar.

* * *

Mancha na veste de 100 pratas.
Faz o melhor dos dias parecerem bando de sol do carcere.
As celas me dão mofo.
Mais parece liberdade condicional.
Tenho horas e não tenho chaves.
Satisfações sem satisfação
Falta sal e um pouco de ar.

* * *

Devo ter cara de orgia ou de tóxicos.
Me colocaram no manicômio
Tem mulher e malandro de Chico
E latidos de bípede.
Eu não quero adjetivo de maduro
em conversa de bêbados.
Quero o crocodilo do Peter Pan.
Desejo de ser mimado, infantil e delituoso.
Errado até na mão que escrevo.
Eu sou ofendido na desculpa da verba curta.
Olhos em cima como em viciado na reabilitação.
Eu quero vomitar o espirito nessa virose.
Vão me injetar soro num hospital bem longe daqui.
Experiência é o nome que damos aos nossos erros.
Diz Wilde.
Vão apontar se andar de viés no samba.
Ainda que seja só 3 da manhã e eu esteja limpo.
Vão condenar como se faz na corte,
e não se faz com pessoas comuns.
Devem ver seus anos 70 no meu penteado.
Acham que ajo como seus passados imundos.
Só o blues é o mesmo.
Janis vai embalar a nostalgia.
Na solidão grupal.

* * *

Agua cortante, caindo em cubos.
Tá mais para câmara de gás.
E que se dane a cor dos olhos e do cabelo.
O evitável só faz a temperatura cair ainda mais.
Por dentro devo estar ainda mais frio.
A cada banho que passa.
Eu queria fazer aqueles riscos de cela
no ladrilho do banheiro.

* * *

Vou estourar a verba.
Por que já não dá pra dançar.
É o que sobra do que gosto de fazer.
Vou fugir da massa pálida que me alimenta.
Vou torcer pra óleo velho entupir a veia.
Vou jogar pro cachorro a carne viva do prato.
Ainda aprendo a latir.

* * *

Tem mais grades e sistema que planos do Lombroso.
Celas impostas em mentiras e um pouco de drama.
O frio que aqui faz anda impedindo-me de traçar planos de fuga.
Não há labuta nem banho de sol que amenize o cárcere.
Nem há da minha parte paciência para isso.
'Não vou me adaptar'.
Resisto feito pedra bruta à lapidação.
Ando a cantar 'canceriano sem lar'.
Daqui a sensação de que sou invejado.
Em meu uniforme listrado.
Posso ser branco, sentado e calmo em frente a livros.
Posso ser breu, em som alto e risos.
Continuo fadado a achar o mundo imenso.
Grande e que cabe na palma da minha mão.
Não podem ser eu e minhas listras,
forçam-me a ser suas mono-cores e rancores.

* * *

Cortei as raízes do jardim em meu banho de sol.
Já não sei bem o que faço.
Estou rodeado de baobás.
Armas pra que eu atire pra todos os lados.
Não podem me fazer desaprender a sorrir.
Não quero saber da vida na TV.
Quero o andar de viés,
experimentar salivas mais ácidas que o café dormido.
Quero polpar meus únicos vinte anos
de tantas paredes.
Dessa péssima dose diária de mau humor.

* * *

Rebelião.
Caiu por terra as falas falsas.
Tudo exposto e claro. Ainda que esteja escuro.
Eu aqui. Mantenho aquilo lá. E é isso.
E aí de mim se contar.
Abuso do direito de permanecer em silêncio.
Engolir à seco. Sem pestanejar.
Chantagem mesmo. E quem vai se sacrificar?
Pra quem? Por qual janela? Túnel? E pra onde?
A lua gigante não protagonizou...
E o mundo é um pouco mais porco e sujo
que se podia imaginar.
Parede e sentença.
Sufoca o calar.
Já tracei na pele. Rota.
Vou fazer a mala e pagar pra ver.
Quando se faz, se ensina.
Aprendi o ladrar.


Um comentário:

Rafaela Dantas disse...

'Rebelião.
Caiu por terra as falas falsas.
Tudo exposto e claro. Ainda que esteja escuro.
Eu aqui. Mantenho aquilo lá. E é isso.
E aí de mim se contar.
Abuso do direito de permanecer em silêncio.
Engolir à seco. Sem pestanejar.
Chantagem mesmo. E quem vai se sacrificar?
Pra quem? Por qual janela? Túnel? E pra onde?
A lua gigante não protagonizou...
E o mundo é um pouco mais porco e sujo
que se podia imaginar.
Parede e sentença.
Sufoca o calar.
Já tracei na pele. Rota.
Vou fazer a mala e pagar pra ver.
Quando se faz, se ensina.
Aprendi o ladrar'

*to chocada com tudo isso ><