terça-feira, 26 de outubro de 2010

Nove


Um pouco inebriado e entorpecido. Me coloco aqui em palavras porque resisto um pouco ao descanso dos lençóis. É porque eu já não sabia por onde andava. Tinha fechado um pouco os olhos, e, sendo ninado pelo desconforto, me reservado como o que já não se podia ver de pupilas. E eu já não sei se era previsão ou ironia do destino, quiça presente do acaso, mas distrai meu olhos pondo-os bem abertos. Os músculos da face respondiam por si só – a quantas andavam essa sensação? Pior, e saboroso, é essa agonia por amanhã. Confesso não saber por quanto, porque ou se essa xícara de café cortará. Mas continuo com jus às minhas juras. Pago para ver.

sábado, 23 de outubro de 2010

Tem o fogo do juízo final

Em 16/09/2010

A noite é fria e coberta com o disco da maysa, com uma xícara vazia, fumaça e brisa. A pele está distante da batida do som de sexta a noite e de alguns corações. O tato está imerso nas primeiras brumas da madrugada. E ela, a pele, um tanto marcada, um tanto arrepiada, pouco hidratada. A mente, em caminhos sinuosos nas lembranças, dá esse aspecto ouriçado nela toda vez que encontra uma composição com outras peles. Mas é o peito que aperta, porque disso ele não vive apenas. Daí passa por baixo da pele um pulsar mais forte à tudo que me lembra meus segundos de eternidade. Escreveu-se nas formas que dela se fez 'posso brincar de eternidade agora sem culpa nenhuma'. Como ela se envolve e abraça, agarra e o tato não basta. Faz-se pouco sutil, porque nela reflete-se alguns sétimos e oitavos sentidos. Ah! As peles onipresentes em cicatrizes nessa agora envolta em casaco desbotado. Das vezes que se pode adormecer e transcende-la para o nunca. É um todo, que ainda não se compara com recordações em visões ainda que estivesse com olhos fechados. Sinto-a clareando a noite, em cada dobra e pelo. É como se ali morasse pedaços de quem ela se abrigou da solidão. Não, não é casca. É receptiva, sensível e pouco vulgar. É essa demora que lhe retira brilho. É essa nota da canção que a faz suar. Gotas a traceja-la. Mas e o frio? Enfim, gotas que desprendem de ônus de algumas sensações e sentimentos. Sim, há sentimentos em pele. E nela tudo faz-se transparecer. Tudo são só esses centímetros cúbicos que andam juntando-se à demais. Anda coletando aromas alheios e misturando suor por aí. Como se não tivesse quem a guie. Mas tem. Tem músculo pulsante, cansado de não palpitar. Viciado no batuque e em mandar olhos lacrimejarem. Ele anda bom nisso de ter vida própria e comandar. Mas é ela, pele, que recepciona futuro em virtudes e marcas em vícios. Faz corar, transparecer, sentir. É da que vos falo que continua a toda pra se emancipar. Que quer fazer de todo resto esquecer. Quer se dissociar. Anda a toda com desejo. Os gosta de realizar. Quer largar o pulso que teima em não querer cessar.  


quarta-feira, 20 de outubro de 2010

O texto que você pediu



Volta e meia reatando o que nunca existiu. Vazio grupal. Ainda que corra agua aos corpos e que se unam às gotas de suor. Suas mentiras não são as mais gostosas. Perco seu olhar na fumaça e me concentro no que pode me fazer perder o sentido. Perco e volto para um outro banho, porque arranco noite após noite a sensação vulgar gratuita que nunca lhe ensinaram a suprir. Por vezes esqueço seu nome e suas dicas falidas de cabelo. Tens volúpia e fôlego, sou reu confesso. Percorro e decoro toda pele mas perco-me no caminho de volta pela sala. Suei para sustentar onze minutos de diálogo mais que qualquer gozo múltiplo. Não falei mais que seis ou sete palavras. Há o proveito, quente e forte, mas se este é o único – da próxima vez – ao menos faça direito.


quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Indomável


O caminho que percorre todos dias, em algum momento, passa a se parecer com nada. As pedras passam a ser nada, as flores e a calçada. É preciso que ateei chama ou que inunde. Tome um outro percusso. Ainda que mais longo. Abstrair o velho atalho que te prendeu no tempo ao invés de poupa-lo. Ainda que na última noite tenha se arrependido de dos trajetos que te fez não reconhecer-se. Ou que o barulho venha a cessar sua calma. Necessidade consciente de enxergar o novo. Por mais que visão possa não ser a dos desejos mirabolantes da insônia. É lidar consigo na linha que beira o caos e a paz. Deixar-se mover pelos ponteiros no lugar de conta-los. Substituir a pacificidade pelos limites.
Ao chegar em casa, encara-te no espelho. O que fazes com face é reflexo de que? Vem carregado nos poros, na fotografia na carteira e nas velhas canções o que sobrou de si. Como quem adora totens. Ajoelha para si mas cansa. Rompe a imagem. Está aí nova forma. Contornos mais bem talhados e sentimentos lapidados. É mudança em hora limite. Desconhecer-se e fazer-se novo.
Ao cair da noite, depara-te com os pensamentos. Estes já não podem ser atados pois não tem o cansaço do físico. Então, entrega-te. Tudo que jurou não fazer, lugar que jamais pensou em ir, pele que repetiu feito mantra para não percorrer, e noites dessas... coisas que contradisse e não sabe bem porque. É que és a própria aberração. Medo do próprio medo. Diferença. Estranho corpo e alma. Desconectado e sem explicação. Resultado de permitir-se ao pensamento sem amarra.

sábado, 9 de outubro de 2010

Da Obra Final


Posto aqui, entre palavras que resumem – por vezes até esticam – qualquer coisa passada e velha na linha do tempo. Dedos a tocar letras e corpo imerso no branco. Algo acende e apaga para lembrar-me de preencher essa cor e perder-me ainda mais nessas palavras que no próximo segundo estarão velhas e inadequadas. Como um transtorno o faço. Confesso que, por vezes, vem em mente desejo subto e involuntário de imaginar devaneios de algum futuro. Outras, de apagar palavras como se assim pudesse eximir também seus significados. Tento, na verdade, dialogar com o presente mas não passa de um monólogo. De algo sobre feitos sem efeito algum. Movimento repetido de fluxo criativo que mais se aproxima de 'tempos modernos' – até nas cores. Algo que não alimenta. Mas palavras proferidas esperam por outras, ainda que cuspidas. Não sou para ser pego em entrelinhas. Quem sabe o façam, como quando resgato passados em título, texto e comentário. Contradigo nas linhas em fonte e frases, e digo em linha de tempo. Me pego criativo, me encontro repetitivo e me perco indecifrável. Assim que me limito escrevo.

Do Rascunho


Ensaiai dizeres. Fiz me verso. Abusei de limitar sentimentos colocando-os em poesia. Fiz dos tremores do corpo instrumento e da fala, canção. Eu não queria, na prosa, pronunciar amor. O tempo é eterno play, barulho. Não dá para retroceder. Tentei, por vezes, fazer-me verso. Terminei soneto. Tentei apertar um mute, ou usar borracha no rascunho. Não há obra final. Afinal agora movo-me como me traçam e ajo a depender dos botões pressionados.  

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Balada do Cárcere Privado

Livremente inspirado em Balada do Cárcere de Reading, Oscar Wilde.





Há barulho ali.
E silabas tônicas ultrapassando latidos e sopro de vento.
Há um embaraço, um desconforto.
Me tiro, aqui me lanço. Refugio de canceriano.
Cheiro de aerosol, desabafos contidos, grilos.
Eu vou procurar um apoio pros pés.

* * *

Silêncio no lado de fora da porta.
Estrondo de poucas palavras.
Agonia do tipo que faz mala.
O cheiro de café não distrai.
Os planos são falhos.
Ainda assim o tempo rasteja
O travesseiro fica - a cada insônia - mais fino.

* * *

Ouvi meu nome feito ladrar.
Eu não caibo na passagem de ar.
Ensaio despedida e conto moedas.
Vago na mente música que distraia.
Não caibo aqui.

* * *

Estocaram minha liberdade.
Empoeirada na dispensa.
Raros domingos de sol.
Meu objetivo em folhas de papel
Não saio do lugar.
Guardado, perdido e validado.
Eu peço ver tudo pelos ares.
Eu não sou salvador,
Sou egoísta, humano.
Quero ladrar por ruas de pedra.
Cantarolar alto.
Perder por aí toalha molhada.
Quero fome e um pouco de miséria.
Feito moeda pra liberdade comprar.
Vou rasgar meus planos,
não consigo me concentrar.

* * *

Mancha na veste de 100 pratas.
Faz o melhor dos dias parecerem bando de sol do carcere.
As celas me dão mofo.
Mais parece liberdade condicional.
Tenho horas e não tenho chaves.
Satisfações sem satisfação
Falta sal e um pouco de ar.

* * *

Devo ter cara de orgia ou de tóxicos.
Me colocaram no manicômio
Tem mulher e malandro de Chico
E latidos de bípede.
Eu não quero adjetivo de maduro
em conversa de bêbados.
Quero o crocodilo do Peter Pan.
Desejo de ser mimado, infantil e delituoso.
Errado até na mão que escrevo.
Eu sou ofendido na desculpa da verba curta.
Olhos em cima como em viciado na reabilitação.
Eu quero vomitar o espirito nessa virose.
Vão me injetar soro num hospital bem longe daqui.
Experiência é o nome que damos aos nossos erros.
Diz Wilde.
Vão apontar se andar de viés no samba.
Ainda que seja só 3 da manhã e eu esteja limpo.
Vão condenar como se faz na corte,
e não se faz com pessoas comuns.
Devem ver seus anos 70 no meu penteado.
Acham que ajo como seus passados imundos.
Só o blues é o mesmo.
Janis vai embalar a nostalgia.
Na solidão grupal.

* * *

Agua cortante, caindo em cubos.
Tá mais para câmara de gás.
E que se dane a cor dos olhos e do cabelo.
O evitável só faz a temperatura cair ainda mais.
Por dentro devo estar ainda mais frio.
A cada banho que passa.
Eu queria fazer aqueles riscos de cela
no ladrilho do banheiro.

* * *

Vou estourar a verba.
Por que já não dá pra dançar.
É o que sobra do que gosto de fazer.
Vou fugir da massa pálida que me alimenta.
Vou torcer pra óleo velho entupir a veia.
Vou jogar pro cachorro a carne viva do prato.
Ainda aprendo a latir.

* * *

Tem mais grades e sistema que planos do Lombroso.
Celas impostas em mentiras e um pouco de drama.
O frio que aqui faz anda impedindo-me de traçar planos de fuga.
Não há labuta nem banho de sol que amenize o cárcere.
Nem há da minha parte paciência para isso.
'Não vou me adaptar'.
Resisto feito pedra bruta à lapidação.
Ando a cantar 'canceriano sem lar'.
Daqui a sensação de que sou invejado.
Em meu uniforme listrado.
Posso ser branco, sentado e calmo em frente a livros.
Posso ser breu, em som alto e risos.
Continuo fadado a achar o mundo imenso.
Grande e que cabe na palma da minha mão.
Não podem ser eu e minhas listras,
forçam-me a ser suas mono-cores e rancores.

* * *

Cortei as raízes do jardim em meu banho de sol.
Já não sei bem o que faço.
Estou rodeado de baobás.
Armas pra que eu atire pra todos os lados.
Não podem me fazer desaprender a sorrir.
Não quero saber da vida na TV.
Quero o andar de viés,
experimentar salivas mais ácidas que o café dormido.
Quero polpar meus únicos vinte anos
de tantas paredes.
Dessa péssima dose diária de mau humor.

* * *

Rebelião.
Caiu por terra as falas falsas.
Tudo exposto e claro. Ainda que esteja escuro.
Eu aqui. Mantenho aquilo lá. E é isso.
E aí de mim se contar.
Abuso do direito de permanecer em silêncio.
Engolir à seco. Sem pestanejar.
Chantagem mesmo. E quem vai se sacrificar?
Pra quem? Por qual janela? Túnel? E pra onde?
A lua gigante não protagonizou...
E o mundo é um pouco mais porco e sujo
que se podia imaginar.
Parede e sentença.
Sufoca o calar.
Já tracei na pele. Rota.
Vou fazer a mala e pagar pra ver.
Quando se faz, se ensina.
Aprendi o ladrar.