domingo, 29 de agosto de 2010

A gosto / Agosto




... nem passar agosto esperando setembro
                               - se bem me lembro!

Caminhei vulgarmente os olhos por cima dos quadrados que cercam pequenos números num calendário em uma parede. Franzi um pouco a testa irritado porque, como concordaria Saint-Exupéry, números limitam. E não há nada tão palpável, objetivo ou quadrado nessa parede de lembranças. Vaguei, como há muito tenho feito. Tal mosaico numérico borrou-se formando - com maestria - o contorno de alguns drinks, os laços de risadas, os entre-laços de beijos, tom de olhos, embalo de músicas, guerras e guerras por paz. Uma dose dupla e sem gelo. Forte. Lenta. Esse estranho caminhar das últimas semanas. Como quem responde 'com emoção' antes de por o pé na tábua. É se sentir um pouco tonto quando parar para concentrar-se em todo ar que expira. Embevecer-se com o que inspira. Contornar-se e não reconhecer-se. Há de ser memorável.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Imprudência e Malefício

Las miradas de tus ojos son tan sutiles
que penetran en el alma de quien los mire
y como soles irresistibles son tus desdeños
que no puede uno mirarse, mirarse en ellos.
.
Y como sabes que tu mirada tiene le hechizo
mira com imprudencia y maleficio.
No me mires a los ojos porque no quiero
que tu mirar penetrante me deje ciego.
(Marina De La Riva)

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Fantasia em poucas cores



Tento formar essas palavras sem escapar para frases de almanaques ou encaixes já clichês. Poderia começar descrevendo, mas já fiz isto desse cenário. Narrar me soa comum. Comum para mim é ofensa. Não quero parecer imenso nem padecer minimizando-me perante tais sensações. Quero falar de olhos sem ser repetitivo, quero dedicar palavras sem parecer romântico, falar de fugas sem parecer covarde. Ah, esse gosto pelo impossível. Quero olhar esse céu e dizer que tracei planos fugindo regras próprias. Hoje à noite o tempo nublou. Quero dar ponto paragrafo, mas temo quebrar o raciocínio. Poderia, assim, fugir-me a ideia de falar do modo como preencheria minhas lacunas diárias, comparar-lhe à construção – mas isso iria remeter a um beje tijolo que nada combina com nossas listras. Escapei nos últimos dias para um futuro sem futuro – quem sabe amanhã ainda o faça –, quase fui a um passado e estrago seus novos planos. Eu já duvido de mim a medida que falo disso. Seras encaixe do meu dia-a-dia que Freud explica? Ou serás passatempo para espera de doce novembro!? Há sentimento embrulhado perto de alguma recordação que talvez seja o que me desconcentra nas últimas leituras, me catatoniza no meio da música, me faz estirar o braço em cama vazia, me remete a lembrar do que nunca aconteceu, me faz ver escoar tempo, me ata e me deixa em nó. Se tens relação com isso me ponho em mais uma dúvida. Eu descrevo mais como um medo de passar em branco, escrevo mais como um porta-restante para tirar a limpo num mais que esperado dia de amanhã. Seja meu verso mórbido, meu não, minha lição. Não me acostume mau. Ando folgado, aliciado e um tanto mimado. Eu não falei do mar, nem das cores do pôr-do-sol de ontem; de dia algum. Meio ingrato e imerso num turbilhão. Em frases dessas o sono há de chegar e não vou te falar da canção. Mas então, até agora nada. Essa fantasia de poucas cores é minha, o som e todos os seus movimentos em minha visão periférica. Tens que partir-me em postas e não compactuar com meu erro e realizar meus planos. Ei de precisar de uma gota triste para não mais romper ideais que mais tarde hão de servir-me de escudo covarde qualquer. Mas e a outra metade? Nesse oculto ando a implorar que me tire o futuro das pedras de runas, me inteire, reintegre, me compreenda e se arrisque comigo. Me desgaste e arranque-me gotas de suor em noites ainda mais frias que esta. É pra não dizer que falei das contradições.
 

Amor em demanda

 velho, 11/08/2010

Eu procuro em outros olhos a janela que um dia vi futuro. Meu reflexo noutras pupilas. Visão caleidoscópia, imaginável, possível, quiça, quiça, quiça. Procura. Na cor dos olhos ou num listrado; numa fumaça, num esbarrão, num banco. Procuro na imperfeição a plenitude dos  poros de minha pele num repentino arrepio. Ando pisando nas novelas do caminho, atravessando os olhos, correndo léguas d'alma dali. Ando extinto na compreensão. Agora, deitado recordando e, entregue a loucura que trás o vento uivante desobedeço minha expressão de mais dura face. Eu corro os olhos no teto, como ataques de cães pela grama com semi-latidos. Já não há branco, paredes, luz ou teias de aranhas; estou a percorrer lembranças em visão periférica, 180º, fúteis e secas. À descansar sobre um tecido que percebo nada ter a ver com a pele que me envolve num pensamento. Por vezes, dá para me ouvir respirar. Duplicado, repartido, pertencente alma de dois ou mais corpos. Me completo assim: desfeito, disperso, amante e um pouco generoso. Há partes de mim por aí, me aproximo delas quando me distancio à pensar. Não me perco sozinho. Ainda restam estrelas apontando o navegar pela fresta da janela ao lado.

Já vejo escuro. Não escuto tanto o vento. Ouço trechos da respiração. Já não ouço. Adormeço em ti.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Imenso


Perdi-me em mar revolto à procura de tempestade - toddy -, abandonando a poesia de marasmo - tédio - de um cais. Caminhei os olhos mais que os próprios pés, fiz planos em milésimos de segundos. Não carrego cruz, nem respondo insignificâncias. Não leio outdoors. Me atraí por passo de dança, por desdenho, por lábia e até por porra coisa nenhuma. Balancei meus valores e os perdi em pedras da rua que a gente chuta sem pensar enquanto ri da última piada (que já nem lembramos mais). Ando em ritmo de 'Permita-se'. Eu corro. Brinco com meus sentimentos, assim ninguém o faz. Eu giro copos sem gelo, eu fico sem nexo. Provo orelhas e apaixono-me por perfumes. Experimento texturas com meus dedos e almas com olhos. Por vezes, paro para ver o tempo passar. Coreografia de ponteiros. Pedindo valor ao meu apreço. E descrevendo-te em entrelinhas de alguns textos.

domingo, 8 de agosto de 2010

Covardia



Contudo os homens matam o que amam,
Seja por todos isso ouvido,
Alguns o fazem com acerbo olhar,
Outros com frases de lisonja,
O covarde assassina com um beijo,
O bravo mata com punhal!


{...}


Uns amam pouco tempo, outros demais;
Este o amor compra, aquele vende;
Uns matam a chorar, com muitas lágrimas,
Outros mesmo sem suspirar:
Porque cada um de nós mata o que ama,
Mas nem todos hão de morrer
Nem, faltando o soalho, os pés lhe caem. Pendentes no espaço vazio
(Oscar Wilde, Balada do Cárcere de Reading)