segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Antes de chegar até aqui


Ah, meus eus de tantos quereres. Que percorreram estradas e linha das mãos; veias e corações. Estes todos de uma única nascente que manteve por tempos – santificando – imagens a que pudesse adorar . Amar e não perceber o que lhe era real. Tira-se dessa cama, dessa veia. Puseram-se em azulejos fétidos de alguns banheiros, nos cantos imundos de corações pequenos e apertados. Libertaram-se para a solidão e trancafiaram-se na liberdade que esta lhe dá. E das previsões se desviou, e do destino nem se falou. Nos últimos momentos, queriam se afundar numa boa dose. Queria não querer. E quis. Todos os eus em sintonia com um só tu. Perfeita e inédita. Quereres em cada raio daquele sol. Naquele derradeiro frio e nas voltas que dão nosso suor. Antes de chegar até aqui o eu iludido, enxergou; o eu egoísta, se doou; o eu machucado, se embriagou; o eu turista, se acomodou. E, de pés plantados para o agora, há de ser esse nosso estranho e desejoso querer.


quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Tiene le hechizo


De rédias à controle. É um pouco do que se tem que ter em cada uma delas. E quando a ela os foge deito a cabeça na lembrança daquele corpo. Da situação. De estar imerso nesta, atado pelo movimento de alguns cabelos como se esses pudessem alcançar-me os pulsos. Como toda agua que deve compor ciclos, como todo vento que deve varrer memórias, como toda fumaça procura pulmões, como toda ação espera – inquietamente – uma reação, como todo canhoto que é destro no cérebro. Posso escapar dessa fugindo à uma dose de razão, à uma endorfina, adrenalina, anfetamina ou ainda preencher palavras cruzadas. Distrair. Mas nada há de erguer o corpo debruçado na espera do que ainda pode ser. Ainda que meu fôlego já pareça cansado e que minha razão grite que eu olho para olhos e que estes olham para o mundo. Ainda que o novo seja apenas o que olhe. Me carregue de volta para as horas que estávamos próximos e que, desobedientes, passaram. Eu quero cansar meus braços e ouvir-te perguntar da minha ausência de medo. Me diga muito do que ainda tenho que absorver. Quando não me pertenço é assim. Me faça ver-te de alguma forma que eu não perca o sono. Antes, diga novamente que o sol nasceu só pra gente. Só para ter certeza.  

...i said it once before but it bears repeating ♪'

sábado, 18 de dezembro de 2010

Das vestes do acaso


E eu que pensei que dezembro não fosse render qualquer momento ao qual eu o pudesse dedicar palavras. Tal como pensei, por diversas vezes, que as noites não me renderiam mais que algumas risadas e drinks. Eu conto agora, na linha do tempo, redores da vida sempre mutante. Converso sobre coisas do passado, dedicando sentimentos diferentes ao que hoje é lembrança; o futuro deixei resguardado. Ele andou cumprindo os dizeres das runas. Amanhã é abstrato, distante e independe de ontem. Percorro a pele nos lençóis, forço as pálpebras, reclamo da luz - mesmo que voz ainda durma um pouco - e a cada gole do café, traço, involuntariamente, os planos até que eu volte à mesma cama. Somos fadados a isso. À dinastia de escrevermos o roteiro do nosso espetáculo cotidiano. Ainda que saibamos dos acidentes - e esses sempre acontecem. O não previsto mais que esperado. Uma certeza que abstraímos a cada primeiro bocejo do dia ou primeiro passo da porta de casa. Que acidentalmente rasgam os planos. Pode ser uma chamada num telefone, uma música ou um encontro. Acidentes assim. Bater os olhos acidentalmente em outros olhos. O encanto do não esperado. Se nos falta um botão de pause para os mais sublimes acidentes, bocejamos na próxima manhã e fazemos os mesmos inválidos planos. O velho vicio humano. Cíclico. Maníacos em ignorar o acaso (palavra que apenas veste o que se chama 'destino'). E é tão render-se a tudo isso. Confiar no caminho, fingindo para si não saber que amanhã o mesmo estará repleto de novos atalhos. Tudo que ilude é o que atraí olhos humanos.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Da garantia

"O sofrimento - por curioso que isso possa parecer-te - é o meio pelo qual existimos, porque é o único meio pelo qual nos tornamos conscientes da existência e a recordação do que sofremos no passado nos é necessária como uma garantia, a evidência da nossa continua identidade; entre mim e a memória da felicidade há um abismo não menos profundo que aquele que existe entre mim e a felicidade real."
(Oscar Wilde - Trecho de "De Profundis")

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A história da Carochinha


A gente inventa que um dia um dia vai ter tempo. Inventa que por enquanto somos tímidos ou orgulhosos. Quem sabe até ocupados demais. A gente inventa tempo e tempo não se inventa. Quem sabe outra hora iremos sentar e conversar. Mas só a hora que a gente inventar de inventar. Nos criamos pra só depois falar do gostar. A gente se olha e deixa pra lá. Um tanto quanto ressabiados de dizer o que sentimos. Meio afim de deixar pra lá. Ou de esperar que o assunto alguém, por acaso, lembre de puxar. A gente inventa que na próxima semana vai ter tempo. Que vai dizer quando resolver atender o telefone. A gente inventa que um dia – qualquer dia – a gente vai ter tempo de sentar e conversar.